Jornalistas, empresários, defensores de direitos humanos, líderes religiosos e até chefes de Estado de países estão entre os possíveis alvos de espionagem feita com polêmico programa Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO Group.
A informação foi publicada pelo jornal “The Guardian” desta segunda-feira (19). Ele integra um consórcio internacional de 17 veículos de comunicação criado para divulgar a lista dos alvos de espionagem obtida pela ONG de mídia Forbidden Stories e pela Anistia Internacional.
O consórcio investigativo, que inclui ainda publicações como o “Washington Post” e o “Le Monde”, teve acesso a uma lista com mais de 50 mil números de telefone em mais de 45 países. Não é possível saber quantos destes números foram invadidos. A presença na lista indica uma intenção de invasão, mas não revela se houve a tentativa ou se ela foi bem-sucedida.
Alvos que constam na lista
Segundo a publicação, há mais de 180 nomes de editores, repórteres investigativos e outros jornalistas no arquivo. Entre eles, o da editora do “Financial Times”, Roula Khalaf, que na época era vice-editora do jornal, e Edwyn Plenel, um dos mais conhecidos jornalistas franceses, ex-diretor do “Le Monde” e fundador do site “Mediapart”.
Há também jornalistas de veículos como “Washington Post”, “CNN”, “New York Times”, “El País”, “Bloomberg”, “Washington Post”, “Le Monde”, “France Press”, “Associated Press” e “Reuters”.
No Azerbaijão, governado pelo ditador Ilham Aliyev, vários ativistas aparecem nos dados. Alguns deles, inclusive, tiveram correspondência ou fotos íntimas publicadas. Em 2019, por exemplo, fotos íntimas da ativista da sociedade civil e jornalista Fatima Movlamli, então com 18 anos, vazaram. O número dela estava na lista obtida pelo consórcio.
Da Índia, consta o nome de Rahul Gandhi, o principal adversário político do primeiro-ministro Narendra Modi. Ao menos cinco de seus amigos e outros parlamentares do seu partido também foram estavam na lista, como possíveis alvos.
Alguns dos integrantes da rede foram presos nos últimos três anos e acusados de crimes de terrorismo, incluindo conspiração para assassinar Modi. Entre eles, estava o padre jesuíta Stan Swamy, que morreu este mês aos 84 anos de covid-19 na prisão. Acusados de serem cúmplices de Swamy, incluindo Hany Babu, Shoma Sen e Rona Wilson, estariam na mira do Pegasus nos meses anteriores e nos anos após suas prisões.
No México, são mais de 15 mil números apontados. Os dados mostram ativistas, advogados e defensores de direitos humanos, incluindo Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, um juiz que foi presidente do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos; e Alejandro Solalinde, um padre católico defensor dos direitos de migrantes.
O número de Cecilio Pineda Birto, um jornalista independente que mais tarde foi assassinado, também está no arquivo. Como o seu telefone nunca foi encontrado, não se sabe se ele foi hackeado.
Loujain al-Hathloul, ativista pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita, também virou alvo poucas semanas antes de seu sequestro, em 2018, nos Emirados Árabes Unidos. Ela teve que voltar à Arábia Saudita, onde ficou presa por três anos. Os Emirados Árabes Unidos são um conhecido cliente da NSO.
Recentemente foi descoberto ainda que Hatice Cengiz, noiva do jornalista saudita assassinado por um esquadrão saudita em 2018 Jamal Khashoggi, foi espionada com o Pegasus, com exames forenses mostrando evidências de uma invasão bem-sucedida.
Aqui no Brasil
Nomes do Brasil não figuram na lista publicadas pelo consórcio investigativo.
Em maio passado, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) participou de negociações para que a empresa israelense NSO participasse de uma licitação do Ministério da Justiça para compra do Pegasus. A empresa brasileira responsável por comercializar o Pegasus, entretanto, se retirou do processo licitatório.
Na época, a atuação do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) gerou insatisfação por parte de militares que integram o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Abin (Agência Nacional de Inteligência), já que os órgãos ficaram de fora das tratativas.
Outro lado
O Grupo NSO — que afirma vender suas ferramentas para 60 clientes em 40 países — disse que cortará clientes que fizerem mau uso do Pegasus. Em uma carta direcionada ao consórcio, o grupo apontou “considerações contratuais e de segurança nacional” para justificar que não pode confirmar ou negar a identidade de seus clientes governamentais.
A empresa negou que os registros vazados fossem evidências de espionagem com o sistema e disse que “continuará a investigar todas as alegações de uso indevido e tomar as medidas cabíveis com base no resultado dessas investigações”.
UOL